A vida. A vida tem dessas coisas mesmo. Um dia a gente reclama da rotina, reclama da falta de grana, reclama que ela não muda. Que ela parece que parou, sentou-se confortavelmente e lá permaneceu. Na zona de conforto. E se a zona de conforto não fosse de fato confortável, assim ela não se chamaria. A zona de conforto é o arroz branco, o pão com manteiga, é aquilo que não é a melhor opção do mundo, mas é gostoso, é ok, é uma escolha segura. Só que um dia você tem vontade de provar comidas que nunca comeu antes. E no caso de mudanças na vida, isso significa abandonar o pão com manteiga. E se o novo sabor não for tão "de casa" quanto? Mas ele parece tão atrativo... tão cheiroso...
Essa analogia com comida tá estranha. Acho que estou com fome...
2015 tinha tudo pra ser um ano "pão com manteiga". Assim foi 2014, e tinha tudo, absolutamente, para continuar assim. Eu mesma não esperava grandes mudanças. Não senti diferença nenhuma quando o ano virou, continuei na minha casa, na minha cama, fazendo as mesmas coisas, indo pros mesmos lugares, reclamando dos mesmos problemas. De 31/12 a 01/01, não houve nem cocegas.
Acho que a ultima grande mudança que ocorreu na minha vida foi em 2013, quando eu fiz as contas e percebi que conseguiria converter o meu salário em uma mensalidade do semestre da faculdade de fisioterapia. Segurem esse pensamento.
Esse blog existe desde a época que eu saí do ensino médio, e meio que acompanhou todo o processo de tentativas e fracassos da minha vida acadêmica até então praticamente nula. Períodos de letargia, ingresso em curso aleatório só pra me sentir parte de algo (eu estudei publicidade e propaganda um tempo, alguém aqui lembra disso?), mais um pouco de letargia. E nesse meio tempo eu aprendi inglês. E depois de um tempo comecei a dar aulas de inglês. E enquanto isso eu fiz alguns vestibulares em vão, sem grandes esforços, novamente, pra me sentir parte de algo. Eu fiz enem não uma nem duas, mas quatro ou cinco vezes. Eu me inscrevi e não fui fazer a prova um ano desses. Eu dizia pra mim mesma que eu estava tentando. Eu fiz um ano de curso pré vestibular. Eu fui pra Campinas. Eu tentei conseguir uma vaga na Unicamp, pra fonoaudiologia, curso pelo qual eu novamente não demonstrava grandes paixões, mas queria me sentir parte de algo. Também não aconteceu. Eu tentei usar a nota de um desses enem(s) aí que eu fiz ao longo desses anos, pra entrar em uma universidade pública. Não consegui. Parecia que eu não estava me esforçando o suficiente. Parecia que por mais que eu dissesse pra mim mesma que estava me esforçando, não era suficiente.
Um belo dia eu peguei aquela matrícula da publicidade, trancada a anos, e resolvi transferi-la para outra faculdade, para outro curso, a fisioterapia. E esse foi o último "big step" que eu dei. E foi um passo grande e certeiro. Me apaixonei pelos conteúdos estudados, me apaixonei pelos professores, voltei a sentir sede pelo conhecimento, e fiz amizades que vou levar pro resto da vida. Aprendi coisas que jamais imaginei que um dia eu saberia. Voltei a me sentir desafiada, voltei a me sentir inteligente. Acordei da letargia. As pessoas me admiravam, me diziam que eu era inteligente. Tudo estava lindo.
Na vida, uma coisa leva a outra, ela não para. Por mais que a gente tente se sentar e descansar confortavelmente na nossa zona, por um tempo, quando as coisas parecem ter alcançado um patamar agradável, a vida não nos deixa parar ali por muito tempo não. Ela vem e cutuca a gente avisando que é hora de levantar, que é hora de dar mais um passo.
Os semestres foram passando, as amizades se consolidando, a rotina se estabelecendo, e os reajustes de mensalidade sendo feitos, semestre após semestre. Até que em um dado momento, eu percebi que se a correnteza continuasse seguindo esse mesmo fluxo, em um futuro muitíssimo próximo o meu salário não seria mais suficiente para ser convertido em uma mensalidade do semestre do curso de fisioterapia. E eu ainda estava tão loooonge de me formar!
Comecei a cogitar alternativas: eu poderia arrumar um emprego dentro da faculdade, o que me daria desconto na mensalidade. Mas pra isso eu teria que sair do meu emprego atual, deixar os meus alunos que gosto tanto! Ou eu poderia parar de estudar por um tempo e juntar uma pequena poupança. Essa alternativa pareceu pouco esperta, os reajustes ainda viriam, eu estudando por aquele período ou não. E pararia de saciar minha sede por conhecimento. Não parece uma boa opção. A alternativa perfeita seria uma bolsa de estudos, mas como conseguir? A única forma que a instituição disponibilizava, era através do Prouni. E pra isso eu teria que fazer o enem outra vez. Outra vez. Mas eu estava ficando sem alternativas, então... porque não? Porque eu não consegui uma vez? Ou duas? Ou três? Mas eu me sentia tão mais inteligente agora! Meu copinho de conhecimento estava meio cheio, não mais meio vazio. Me inscrevi e fiz a prova outra vez.
E aí os meses passaram, e a vida seguiu sua rotina. Vocês sabem como essas coisas funcionam, a nota demora meses pra sair. Quando o resultado finalmente saiu, a minha média ficou acima da média nacional. (sempre é, mas nunca pareceu o suficiente). Eu resolvi que já que tinha feito a prova de novo, eu ia tentar fazer absolutamente tudo que fosse alternativa com essa nota. Ela era a minha única saída. Não só tentaria conseguir uma bolsa de estudos integral pelo Prouni na faculdade particular em que me encontrava, como também faria inscrição no Sisu, que é um programa que disponibiliza algumas vagas em universidades públicas, classificando os candidatos inscritos pela nota obtida no enem.
Me inscrevi no Sisu, e joguei os dados. Fiz as minhas apostas mais altas: UFCSPA (Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre), que recentemente foi avaliada como possuidora do melhor curso de fisioterapia do Brasil, e UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) também em Porto Alegre, que é o sonho de consumo de todo bom estudante gaúcho. Não custa tentar, né? Porque não?
Fiquei acompanhando as notas de corte diariamente, quando eram atualizadas. A minha média estava acima da nota de corte. De ambas as universidades. Eu não conseguia acreditar no que os meus olhos estavam vendo, mas resolvi não colocar muita expectativa, mais pessoas poderiam se inscrever ainda. Mais pessoas com médias melhores, que poderiam jogar a minha para uma posição mais abaixo. No penúltimo dia de inscrições, eu ainda estava dentro. E quando as inscrições terminaram e eu achei que finamente saberia o resultado final... ele só seria divulgado dali uma semana.
Passei essa semana tendo pequenos ataques de pânico. Nessa mesma semana, reencontrei amigos queridos da faculdade. E fomos pra Porto Alegre no show do Foo Fighters. Eu tava com um pressentimento bom, de que aquela cidade me traria coisas boas. A cidade já estava me fazendo feliz, com aquele show. Cês leram o post que vem antes desse, não leram? Então, foi um dia surreal. E depois disso eu continuei esperando. Achei que até o prazo final com certeza mais alguém se inscreveria. Com certeza eu cairia pra lista de espera. Mas VAI QUE alguém desiste da vaga, e me chamam à partir dessa lista, né? Vai que... eu tinha um fiozinho de esperança.
Hoje, eu recebi um e-mail com a seguinte mensagem:
QUÊ?
Fui conferir o meu boletim e...
Eu fui aprovada na primeira chamada. Na UFCSPA. No melhor curso de fisioterapia do país.
Eu vou estudar de graça! Eu não vou mais ter que converter meu salário em mensalidades!
Eu também não vou mais ter um salário, porque vou ter que deixar meu emprego. E minha atual faculdade. E meus amigos. E minha casa. Vou deixar essa cidade pra trás. E ser chutada sem cerimônia alguma, pra fora e bem pra longe da minha atual zona de conforto. Chegou o momento do próximo "big step" dessa velha resmungona chamada vida, ela, que não nos deixa ficar parados. Deu pra ti, baixo astral. Vou pra Porto Alegre, tchau!
Eu ainda não absorvi totalmente a mudança. Estou absorvendo aos poucos, a doses homeopáticas. E tentando não ter um ataque de pânico, nem me sentir desnuda e vulnerável. O prazo para a matrícula é curto, então imediatamente (assim que consegui parar de tremer e chorar e olhar fixamente para o meu nome na lista de aprovados) comecei a reunir a documentação necessária para a matrícula. Fui até a minha atual faculdade cortar o vínculo, cortar o cordão. Fui até o meu trabalho conversar com o meu chefe sobre a minha eventual mudança de cidade e incapacidade de continuar trabalhando ali. Fui tirar fotos 3x4 atualizadas. Desencavei o meu histórico escolar do ensino médio, para comprovar o fato de ter estudado sempre em escolas públicas. Recebi tantas, incontáveis mensagens de apoio, e abraços, e comentários, e ouvi muitas outras pessoas me fazendo perguntas que eu não sabia responder. Que eu ainda não sei responder.
Onde tu vai morar? Com quem tu vai morar? Como tu vai se lovomover? E de noite, não é perigoso? Que turno tu vai estudar? Integral? Como tu vai trabalhar então? Como tu vai se sustentar?
Eu não sei. Eu ainda não sei de nada. Absolutamente. Cortei vínculos imediatamente com as pendências que tenho nessa cidade, de forma rápida e indolor, como quando se arranca um bandaid. Tudo de uma vez pra doer menos. Rápido, pra não dar tempo pra pensar em mais nada. Pra não dar tempo de desistir.
A única coisa que eu sei é que quando a vida te dá a oportunidade de estudar o curso que tu quer estudar, de graça, na melhor instituição do país, tu simplesmente vai. O resto depois se dá um jeito. Certas coisas, não se pode recusar. De certas coisas não se pode recuar.
ESSE POST do fim de 2014 é a prova do quanto eu estava insatisfeita, e precisando virar o jogo. Aí está, como eu mencionei que aconteceria... "uma hora o jogo vira"... pois bem, VIROU!