sexta-feira, 3 de abril de 2015

Adaptação: mês 1

Hey pessoas!
A pouco mais de um mês, vocês bem sabem, minha vida virou de cabeça pra baixo.
Deu uma sacudida.
E agora, as coisas começaram a assentar. 

O que mudou?

Ora, mas que resposta óbvia, absolutamente tudo mudou!
Deixa eu contar pra vocês algumas primeiras constatações e fatos desse primeiro mês, no qual Porto Alegre me engoliu.

Fui amorosamente acolhida para morar na casa da "vó". Aspas, porque minhas avós de sangue já se foram a algum tempo, mas eu tenho uma vó postiça que está fazendo um ótimo papel de vó, me acolhendo no seu ap e tudo mais.

O ap da vó é pequenino, mas aconchegante. Tem só um quarto, que é o quarto da vó, o que faz com que meu quarto seja a sala de estar. E minha cama seja uma poltrona-cama. 
Mais ou menos assim:


O que pra mim está excelente, afinal, eu não estou nem pagando aluguel nem nada. Tenho cobertas quentinhas e um teto em cima da cabeça. Está tudo maravilhoso.
Vou ser hipócrita e dizer que não sinto falta da minha cama? Claro que não vou. Minha cama de casal, com meu colchão maravilhoso, vive no meu coração e me espera com todo seu conforto, na casa dos meus pais.

A vó, como a maioria das vós, nunca foi adepta de internet, logo, foi uma das primeiras coisas a se providenciar. Demorou um mês desde a data de contrato, até a data de instalação. Rendeu muitas, muitas, MUITAS ligações pro telemarketing da GVT, mas enfim tudo foi resolvido.

Aprendi o caminho de casa até a universidade, até 3 supermercados diferentes, até o banco. Tem absolutamente tudo perto de casa. Tem farmácia, tem bar, tem restaurante. Tem parque, tem açougue, tem lojas de roupa. Tem bazares, ópticas e relojoarias, e até funerária. O bairro tem tudo. Tudo. Tem ônibus praticamente na porta de casa. Aprendi a pegar ônibus. Me caguei pra me aventurar de ônibus sozinha da primeira vez que o fiz lá, mas já peguei tantos ônibus agora que está tudo bem. Fiz meu vale transporte estudantil pra pagar meia passagem.

Nas primeiras semanas, enquanto eu ainda não tinha o vale transporte, estava acordando um pouco mais cedo pra ir pra universidade a pé. Em um belo dia, começou a chover torrencialmente enquanto eu estava no meio do meu trajeto. O que alagou alguns trechos, e encheu outros de lama. Pra minha "sorte", eu estava usando um vestido, e calçando havaianas. Porque minhas pernas e pés ficaram cobertos de barro. Entrei na universidade, me dirigi até o banheiro, e lavei meus chinelos na pia. Com um bolo de papel molhado, dei um banho nas minhas pernas. Fiquei aparentemente limpa, e segui a vida, o resto do dia assim. Mas louca pra tomar um banho de verdade.

Ora Eka, mas se dá pra ir a pé pra universidade, porque tu não o faz sempre? Porque pega ônibus?

Dá pra ir a pé, mas não quer dizer que seja agradável. 

A caminhada de casa até a universidade dura cerca de meia hora. 
O trajeto é alvo de múltiplos assaltos, diariamente. A universidade fica em um "complexo estudantil", que abriga, além da UFCSPA, alguns prédios da UFRGS. Também abriga o hospital da Santa Casa. E é próximo ao parque da Redenção. A circulação de pessoas pela área é grande, assim como a circulação de assaltantes, prontos para ~atacar~. (Conheci várias pessoas que carregam consigo o "celular do ladrão". Se tu for assaltado, tem que ter contigo um celular "a mais", pra dar pro ladrão. Um celular extra, velho, sem chip, sem tuas informações pessoais, só pra satisfazer o ladrão, e não perder o seu celular "verdadeiro".) Só o que não há é circulação de viaturas para conter o grande numero de assaltos. Aliás, há um grande movimento estudantil que solicita maior policiamento na área. Temos um abaixo assinado, com o qual você, você mesmo, pode contribuir. Por favor, contribua. Não custa nada. Não quero ser assaltada. Obrigada.

Além de o trajeto ser perigoso, ele também fede. Sim, Porto Alegre fede. Há uma enorme quantidade de moradores de rua, dormindo em todas as calçadas ao longo do caminho. De manhã cedinho, quando saio de casa, eles ainda não acordaram. Mas a rua tem cheiro de xixi. E já me deparei com vários... vômitos, na calçada. Também tem muito lixo espalhado, e restos de comida pelo chão. Então, a caminhada não é nem segura, nem agradável. Acho que a limpeza de Caxias me deixou mal acostumada, embora na minha visão o ideal é de que todos os lugares fossem... limpos, eu sei que na maioria esmagadora dos lugares, não é assim. Ao menos pude constatar isso pelas cidades do Brasil que já tive a oportunidade de conhecer. Nenhuma é tão limpa quanto Caxias. Porto Alegre, definitivamente, não é.

Acho que Caxias me mal acostumou também com a "fartura italiana". Interior do Rio Grande do Sul tem muita agricultura. É possível comprar verduras e legumes em abundância, com uma qualidade excelente a um preço baixo, diretamente com o produtor, nas feiras do agricultor. Come-se MUITO bem na serra, meus quilinhos a mais não me deixam negar. Em Porto Alegre, é difícil encontrar bons itens de hortifruti. Os "exemplares" são definitivamente pequenos, e caros. Muitas vezes, não se encontra certas coisas, ou o estado de conservação dos vegetais é tão deplorável, a um preço tão absurdo, que simplesmente não dá pra comprar. O supermercado mais próximo passou mais de uma semana sem leite nas prateleiras. Nem sequer uma caixa. Nem ovos. As vezes também não tem pão. Talvez seja um problema de administração desse supermercado em específico... provavelmente seja. Mas a questão dos vegetais, é em todo lugar que fui.

Mas vamos falar de coisa boa. Vamos falar da universidade!!! A universidade é só amor!



As pessoas foram/são extremamente acolhedoras e simpáticas. O curso é integral, o que quer dizer que chego na universidade de manhã cedo, e saio no final da tarde. O que quer dizer que passo praticamente todos os meus dias inteiros com as mesmas pessoas, que vim a conhecer muito rápido, e que criamos um vínculo por isso. Todos nós estamos lá, "sofrendo" as mesmas coisas, submetidos à mesma carga IMENSA de conteúdo pra estudar, trabalhos pra fazer, e tudo mais. Isso, de certa forma, nos uni. Temos veteranos que, um ano atrás estavam vivenciando exatamente a mesma coisa que nós, e se disponibilizam a ajudar. e doar materiais, e orientar, e a serem as pessoas mais receptivas do lugar. 
Um ANO, sim, não semestre. A universidade tem matrículas anuais. Cada ano é uma "série", e cada série tem o seu grupamento de disciplinas correspondentes. A gente não escolhe em quais disciplinas quer se matricular. A gente é automaticamente matriculado na série correspondente. O que quer dizer que somos automaticamente matriculados em todas as disciplinas correspondentes àquela determinada série. O que quer dizer, nesse primeiro período, 12 disciplinas. Sim. DOZE DISCIPLINAS. Não temos escolha. São 12, ou nada.

Sabe quantas disciplinas eu cursava na FSG? Três. Quatro, quando o dinheiro dava. E eu trabalhava feito um cão pra dar conta de pagar por essas disciplinas, correspondentes a 3 manhãs de aula, que consumiam o meu salário. Vocês já estão cansados de saber.

Sabe quanto eu estou gastando agora, pra cursar 12 disciplinas, correspondentes a 5 dias de aula, período integral...? Absolutamente nada! :) 

Também não estou trabalhando mais. Ou não voltei a trabalhar ainda, como preferir. Porém, a universidade oferece assistência estudantil, uma ajuda de custo para estudantes que não tem renda pra se manter, não deixarem de estudar por isso. Ou seja, a gente além de não pagar pra estudar, recebe pra isso. A universidade também disponibiliza bolsas, diversas bolsas, também remuneradas, pra estudantes que quiserem fazer algum trabalho extra dentro de programas da própria instituição.

Quanto à estrutura física da universidade, não tenho do que me queixar. 
Aliás, tenho sim, nós não temos RU. A falta de um restaurante universitário pra alunos que, como eu, passam manhã e tarde na universidade e precisam almoçar em algum lugar por lá é uma questão a ser discutida à parte. Não temos RU, mas dizem que... a construção de um está nos planos da reitoria. Planos esses que não serão realizados tão em breve assim, porque houve um corte do governo na verba destinada à educação. Mas ok, a FSG também não tinha RU.
A alternativa que os estudantes encontraram pra isso, foi a aquisição de microondas para o espaço coletivo que temos junto ao DCE. Muita gente, eu inclusive, adquiriu bolsinhas térmicas para transportar seu próprio almoço, esquentar nos microondas, e almoçar por lá mesmo, no espaço coletivo. Espaço esse que aliás é bem acolhedor, temos sofás, 2 violões, 2 mesas de sinuca, e 2 mesas pra comer. O lugar pra sentar em uma das mesas e almoçar é concorrido, mas dá-se um jeito, ninguém deixa de almoçar por isso.
Quanto ao reeeeeesto da estrutura física, eu não tenho do que me queixar. 
Temos catracas com identificação biométrica para conseguir acessar os prédios, o que quer dizer que, apesar da zona ser perigosa, lá dentro é seguro. Temos elevadores que falam. Temos DOIS ar-condicionados na sala, que nem é tão grande assim. Não sei vocês, mas nenhuma das particulares em que estudei (ucs e fsg) tinham isso.
 Temos constantes reformas, banheiros novos estão sendo construídos. Temos laboratórios super bem equipados em cada uma das suas especificidades. Temos uma biblioteca voltada exclusivamente para cursos da área da saúde (obviamente, afinal esse é o foco da universidade). 
Temos professores excelentes. Temos um nível de cobrança fora do comum. Temos que atingir média 7, no mínimo, se quisermos ser aprovados. E não é fácil, cara. Não é fácil. Os professores querem que tu saiba o que tu tem que saber, e não estão nem aí se tiverem que te rodar pra isso. 
Aliás, a forma que eles querem que tu estude também é diferente da particular, na minha concepção. Na FSG, eu só estudava pras provas pelos slides dos professores, praticamente. As vezes o google dava uma ajuda. E ia super bem em tudo. Na UFCSPA, os professores querem te fazer pesquisar e engolir os livros da biblioteca. Vai estudar. Vai procurar a informação. Te vira. Cada um se entende melhor com a explicação de um autor, então tu tem que ler vários, procurar, se adaptar, construir o teu próprio conceito, em vez de pegar ele pronto no slide.

Os colegas também são diferentes, em termos de participação. Não sei porque motivo, não sei se é questão de cultura local, não sei explicar porque. Na federal, os alunos são mais participativos. Muitas vezes, na particular, o professor ficava num vácuo, num monólogo constante a aula inteira. Ninguém questionava. E quando o professor fazia uma pergunta qualquer, ninguém se manifestava. Em diversas situações, eu era a única que me manifestava, ou questionava algo. 
Os colegas da federal questionam. Debatem. Dão opinião, e se interessam pelas opiniões diversas. As pessoas por lá tem a cabeça mais aberta. Ninguém se importa se tu vai pra aula com qualquer roupa que estiver afim, de chinelo, ou bem arrumada. Ninguém se importa. Ninguém se importa se tu vai pra aula de ônibus, a pé, de carro, ou de bicicleta. As pessoas, aliás, usam muito a bicicleta como meio de transporte. Vá como quiser. Vá como preferir. Acho que isso é uma coisa da cidade em si. 

Em Porto Alegre tu encontra gente de todo tipo. Meninas "menininhas", meninas de cabeça raspada, meninas que não querem se depilar. Gente maquiada, gente de cara lavada. Caras com barba, sem barba, de cabelo curto, comprido, com dread. Tem gente com todos os tipos de roupas, das mais comuns e arrumadinhas, às mais hippongas. Ninguém se importa com isso, ninguém repara no seu jeito, no jeito que você se sente confortável sendo. Ninguém se importa se tu quer ficar com um cara, com uma guria, ou com os dois. Ninguém se importa se tu é gordo ou magro. Ninguém se importa. Seja você, seja como és, e seja feliz assim. O mundo está ok com isso. Todos estão ok com isso, e ninguém fica reparando em você, ou te olhando diferente por isso. A diversidade está aí pra ser vivida e amada.

Em Caxias todo mundo é igual, todo mundo "tem que" ser igual. As pessoas reparam na sua roupa, no seu cabelo, no seu estilo de vida. Em Caxias, se tu tem cabelo diferente, só pode ser lésbica. Se tu usa uma roupa diferente do que todo mundo usa, CREEEEDO! Em Caxias, DEUZOLIVRE tu ir pra universidade calçando havaianas. Em Caxias DEUZOLIVRE tu ir pra faculdade de bicicleta. Na terra da polenta, todos tem que usar sapatos bonitinhos, e ir pra aula de carro. No máximo pegar um ônibus. Caxias é uma cidade... quadrada. E se você não se encaixa no quadrado, ache um jeito de se disfarçar.

Enfim, pessoas. Já escrevi tantas coisas que nem sei mais. Meu período de adaptação tem sido ok. Estou definitivamente feliz com a mudança de vida, e com o crescimento pessoal que isso tem me proporcionado. Ainda tenho MUITO dessa cidade pra descobrir. A começar pelos nomes das ruas, as pessoas me contam onde moram AND I HAVE NO FUCKING CLUE WHERE THE HELL IT IS! (eu me expresso em inglês quando fico meio puta da cara... desconsidere). Também ainda tenho muito a aprender no quesito frugalidade. Preciso aprender a gastar dinheiro com o que é essencial. E fazer o dinheiro dar pra tudo. Não tem mais papai pra fazer as compras do supermercado pra mim. Não tem mais mamãe pra arrumar minha cama, mesmo eu falando que não precisa. Já tava na hora, né?

Vou ficando por aqui, mas indico outro texto que tem TUDOAVER, e que tive o prazer de ler por esses dias, e que... tem tudoaver. É pra clicar, tá? É preciso ir embora!